Platicurtámos isto

O inexplicável ruído nos dados oficiais (de que falei aqui) parece agora ultrapassado. Aqueles dois dias (25 e 26 de Março) em que foram notificados pouquíssimos casos, sendo quase todos positivos, ficará para a história das aberrações. Estamos agora com estatísticas baseadas numa só fonte (supõe-se que deixará de fora um em cada quatro ou cinco casos diagnosticados), numa semana em que o número de notificações estabilizou na ordem das sete mil por dia, com uma incidência de positivos entre os 10% e os 13%.



No ponto actual, nem a escassez de testes, nem os problemas de compilação de dados podem explicar o afastamento da curva logística que se estimava há 15 dias. A regressão logística ainda tem um R2 muito elevado, mas os desvios são cada vez mais significativos. Dito de outro modo, é como se, por volta de 20 de Março, tivéssemos saído de uma curva e passado para outra, com uma configuração menos 'teórica' (ou seja, o número de casos de hoje já não depende apenas do número de casos anteriores, há variáveis a interferir).
Isto é bem evidente no gráfico seguinte: o número de casos diários 'estacionou' perto dos 800. Isto será já o indício de que não teremos uma curva normal, ou, usando palavras da DGS, em vez de pico, teremos um planalto.



O 'estacionamento' de casos diários implica um crescimento da curva de acumulados cada vez menor, como se demonstra no gráfico seguinte, onde é visível que o pico de crescimento ocorreu em meados de Março, por altura do encerramento das escolas. A partir daí, com mais ou menos ruído, tem sido sempre a desacelerar.



Há 15 dias tinha aqui mostrado o 'atraso' que a nossa curva de acumulados começava a evidenciar relativamente aos nossos vizinhos. Agora já não há dúvidas de que estamos cada vez mais longe desses desastres. De tal modo, que as curvas só são comparáveis numa escala logarítmica. Recordando, representa-se abaixo a evolução dos casos acumulados após o 150.º. Em Portugal, o dia 0 corresponde ao último dia de aulas do básico e secundário. Uma semana depois, prestes a entrar em vigor o estado de emergência, a linha verde já marca uma pequena diferença, mas foi na última semana que o afastamento se tornou cada vez mais evidente. O distanciamento social permitiu um distanciamento estatístico dos vizinhos.



Apesar da hesitação inicial, as medidas de supressão começaram a produzir efeitos a tempo de se evitar males maiores. Parabéns a todos os que contribuíram para platicurtar a coisa. Para a maioria de nós, a melhor maneira de se fazer alguma coisa para combater a pandemia, é não fazer coisa nenhuma. Continuemos, dando tempo para que se arranje aquilo que "até agora não faltou".

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